Por Lilian França da Silva
Faremos uma breve exposição sobre o
autismo antes de adentrarmos na questão jurídica, para melhor entendimento do tema.
O autismo, ou Transtorno do Espectro
Autista é caracterizado por um transtorno global de desenvolvimento, que habitualmente
aparece nos primeiros anos de vida, normalmente até os 3 anos de idade,
apresentando comprometimento das habilidades comunicacionais, interação social,
comportamento focalizado e repetitivo, atraso no desenvolvimento da linguagem,
hábito de balançar ou bater as mãos, falta de contato visual, dificuldade de
fazer pedidos utilizando a fala, entre outros.
Podem também haver manifestações de
agressividade, perturbações do sono, fobias, crises de ansiedade. Todos estes
sintomas relatados aparecem em algumas crianças e em outras não. Assim como há
tipos de autismo, também há graus/níveis de autismo. Cada criança desenvolve ou não
alguns sintomas. O autismo somente foi inserido na Classificação Internacional de Doenças - CID da OMS (Organização Mundial de Saúde) no
ano de 1993, apesar de se tratar de uma condição antiga. Passou a ser chamado
de Transtorno do Espectro Autista em 2013, após pesquisas comprovarem que
há vários tipos de autismo. Somente vamos citá-los:
-
Síndrome de Asperger – tipo mais leve do autismo;
-
Síndrome do “X” frágil;
-
Síndrome de Landau Kleffner;
-
Transtorno invasivo do desenvolvimento;
-
Transtorno Autista;
-
Transtorno desintegrativo da infância;
O autista pode ter nível leve, médio ou
grave.
Alguns podem fazer ou não uso de medicamento, mediante tratamento com psiquiatra.
Não existe cura para o autismo, mas há
tratamento, e este deve ser multidisciplinar, envolvendo pediatra, psicólogo,
psiquiatra, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, prática esportiva (a que mais
a criança se adequar). O tratamento depende de cada criança, do nível, da
interação familiar e do meio social em que vivem.
Infelizmente nossa sociedade ainda não
está preparada para estas crianças tão especiais. Sim, ESPECIAIS. Extremamente
inteligentes. Capazes de desenvolver habilidades que nos deixam orgulhosos e
impressionados, pois por um lado o autismo limita a criança em vários aspectos, mas por
outro elas têm um alto desenvolvimento em alguma região específica do cérebro
que as torna capaz de fazer coisas que a sociedade não espera de uma criança
autista.
Especula-se que alguns "gênios" eram ou são autista, como o pintor holandês Vincent Van Gogh, considerado um dos casos mais extremos de Síndrome de Asperger, cresceu e viveu sozinho, até seu suicídio; Albert Einstein, começou a falar após os 3 anos de idade, porém nada o impediu de criar a Teoria da Relatividade; Bill Gates, expõe a mídia que teria sido diagnosticado com a Síndrome de Asperger.
Estes são os mais conhecidos e obviamente nada foi comprovado, expusemos como exemplo para demonstrar que uma criança portadora do Transtorno do Espectro Autista pode-se tornar um cientista, mas ele precisa ser devidamente cuidado com atenção especial.
Há muito preconceito ainda na sociedade, mas o judiciário vem demosntrando o contrário, a jurisprudência tem direcionado atenção especial
a estas crianças especiais.
Os Tribunais superiores, em especial, têm
voltado a aplicação do nosso arcabouço jurídico em casos de redução de jornada de trabalho para
mães que possuem filhos autistas. Entendem que a presença materna é fundamental
para a criança, pois o diagnóstico é feito até os 3 anos de idade, muitas vezes
antes de 1 ano, e imediatamente já se deve iniciar o tratamento
multidisciplinar, para que esta criança possa ter a possibilidade de ter alguma
autonomia na fase adulta.
É presumível que a necessidade
da presença cotidiana da mãe na assistência a seu filho com necessidades
especiais. Digo que este é papel primordial dela, no acompanhamento das
atividades tendentes a buscar o desenvolvimento do filho, não só para levá-lo
às terapias, mas para fazer atividades no lar, junto com os familiares.
O vínculo afetivo da criança
autista é maior com a mãe, não estamos excluindo a essencialidade da presença
paterna, mas é com a mãe que o filho autista se desenvolve melhor, de acordo
com os casos estudados na jurisprudência, principalmente dos Tribunais do Trabalho.
Os direitos do deficiente
autista está pautado na Lei 12.764/2012, art. 3º, que instituiu a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Vejamos:
“Art. 3º
- São direitos da pessoa com transtorno do espectro
autista:
I - a vida digna, a integridade
física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o
lazer;
II - a proteção contra qualquer
forma de abuso e exploração;
III - o acesso a ações e
serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde,
incluindo:
a) o diagnóstico precoce, ainda
que não definitivo;
b) o atendimento
multiprofissional;
c) a nutrição adequada e a
terapia nutricional;
d) os medicamentos;
e) informações que auxiliem no
diagnóstico e no tratamento;
IV - o acesso:
a) à educação e ao ensino
profissionalizante;
b) à moradia, inclusive à
residência protegida;
c) ao mercado de trabalho;
d) à previdência social e à assistência
social.
Parágrafo único. Em casos
de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída
nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o,
terá direito a acompanhante especializado.”
Em atenção aos princípios
fundamentais da dignidade humana (art. 1º, III) e visando a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º. I e IV), a
Constituição Federal dedicou especial atenção às pessoas com deficiência,
conforme dispõem os arts. 7°, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203 e 208.
O art. 227 da Constituição
Federal, instituiu como um dever do Estado, da família e da sociedade a
proteção integral da criança e do adolescente, bem como a integração social daquelas
com deficiência física, sensorial ou mental.
O Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de
2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, norma com status de Emenda Constitucional (§ 3º
do art. 5º da CF), dispõe, no seu art. 7, item 1, o seguinte:
"Os Estados
Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com
deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças".
Assim, a jurisprudência vem seguindo o
caminho da dignidade da pessoa portadora de deficiência. Vejamos:
“APELAÇÃO REDUÇÃO DE JORNADA FILHO COM SÍNDROME DE DOWN Servidora
Pública Estadual que pretende a aplicação analógica do art. 98, §3º da Lei
8.112/90 Redução de jornada de trabalho para cuidar de filha portadora de
Síndrome de Down associada a cardiopatia congênita Sentença de improcedência
Decisório que não merece subsistir Possibilidade de aplicação analógica da
disposição do art. 98, §3º da Lei 8.112/90 - interpretação sistemática das
normas constitucionais e dos termos da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 5º, §3º) - Existência do direito
reforçada pelos diversos precedentes desta Corte sobre o tema Decisão reformada
Recurso provido.” (TJSP Apelação nº: 1005310-23.2017.8.26.0309 RUBENS RIHL
Relator 1ª Câmara de Direito Público 07/02/2018).”
Não vamos citar a jurisprudência dos TRIBUNAIS
REGIONAIS DO TRABALHO para não estender o tema, pois é demasiado amplo. Já
adiantamos que é promissora a visão acerca da dignidade da criança com
deficiência e da extrema necessidade da presença materna ao longo do
tratamento. Vamos para os Tribunais Superiores:
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
“AGRAVO
DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EBSERH. EMPREGADA
PÚBLICA. FILHO MENOR COM DEFICIÊNCIA (AUTISMO). REDUÇÃO DE
JORNADA E MUDANÇA PARA O TURNO NOTURNO SEM ALTERAÇÃO REMUNERATÓRIA E SEM
COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. ESPECIFICIDADE A EXIGIR SOLUÇÃO TÓPICA, NÃO
GENERALIZÁVEL. O Regional, valendo-se da aplicação analógica do artigo 98,
§§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, com a redação determinada pela Lei nº
13.370/2016, deferiu a fixação do horário de trabalho da reclamante, empregada
pública do Hospital Universitário do Piauí com jornada semanal de trinta e
seis horas, exclusivamente à noite, com redução de jornada em 20%, sem
compensação e sem comprometimento da remuneração, até que o filho dela
venha a completar doze anos de idade, em dezembro de 2020, em virtude de laudos
médicos segundo os quais a criança, que padece de Transtorno do Espectro do
Autismo - TEA, CID 10 F84.0/F90.0, tem um delicado estado de saúde, com
necessidade de acompanhamento materno contínuo, devendo comparecer a pelo menos
cinco atendimentos de terapia semanais. Nesse contexto, e a despeito da
invocação a latere , pelo Regional, de inúmeros princípios
aplicáveis à controvérsia (a saber, aqueles contidos nos artigos 3º do Estatuto
da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, 1º, III, 6º e 227 da
Constituição Federal de 1988, além da Convenção Internacional sobre os Direitos
da Pessoa com Deficiência promulgada no Brasil pelo Decreto nº
6.949/2009), o Juízo a quo se valeu de método de integração
normativa que, longe de afrontar, dá escorreita aplicação tanto ao princípio
administrativo da legalidade estrita, insculpido no artigo 37, caput ,
da Constituição Federal de 1988, quanto ao próprio artigo 98, §§ 2º e 3º, da
Lei nº 8.112/90, por força do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42). Agravo de instrumento
conhecido e não provido.” (TST-AIRR-582-24.2018.5.22.0004 Dora Maria da
Costa Julgamento: 29/04/2020 Publicação: 04/05/2020).
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Importante destacar que a relevância da questão resultou na
fixação do Tema 1097 de Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal: “1097
- Possibilidade de redução da jornada de trabalho do servidor público que tenha
filho ou dependente portador de deficiência. CONSTITUCIONAL.
ADMINSTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO RESPONSÁVEL PELOS CUIDADOS DE PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. DIREITO À REDUÇÃO DE JORNADA. CONVENÇÃO DE NOVA YORK. DIREITO DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA DE ASSISTÊNCIA FAMILIAR. RELEVÂNCIA SOCIAL, ECONOMICA E
JURÍDICA. EXISTÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL E DE REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDAS. I - A causa extrapola os interesses das partes envolvidas, haja
vista que a questão central dos autos (possibilidade de redução da jornada de
trabalho do servidor público que tenha filho ou dependente portador de
deficiência, com fundamento na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência) alcança os órgãos e entidades da Administração Pública de todos os
estados da federação e municípios que não tenham legislação específica cuidando
do tema. II – Existência de questão constitucional e de repercussão geral
reconhecidas.” (RE 1237867, Rel. Ministro Ricardo Lewandovski), ainda pendente
de julgamento).
O que expusemos são situações abrangem mães
funcionárias públicas, que possuem remuneração, convênios, enfim melhores
condições para atender as necessidades especiais de seus filhos autistas.
Esperamos que a sociedade olhe para o atendimento das necessidades especiais dos portadores de Transtorno do Espectro Autista,
pois as famílias de baixa renda, que não possuem condições de ter convênio
médico para suprir as necessidades essenciais ao desenvolvimento das
crianças autistas. As famílias carentes contam com pouco ou nenhum recurso do Governo.
As Ongs (Organizações
não-governamentais) ainda são insuficientes para atender tantas famílias com crianças
portadoras de TEA, considerando que o tratamento deve ser multidisciplinar.
Bibliografia:
www.planalto.gov.br
Melo, Stéfanie.
“Escolarização de alunos com autismo.” Revista Brasileira de Educação Especial (2016).
Tipos de Autismo: Conheça 4 e Suas Características
(psicologiaviva.com.br)
4
tipos de autismo: conheça as principais características! (salzclinica.com.br)
Síndrome que dá génios ao mundo (dn.pt)